Depois que fui chutar aquela chapinha, o sapato abriu pela metade. Boca de jacaré! Justo no dia que eu tinha prova na escola. Bem feito pra mim. Pobre tem a mania de se culpar por tudo e de chutar chapinhas.
Em casa, meu pai disse que se colasse o sapato, ficaria novo. E colou. E não ficou. Alguns passos e lá estava o jacaré novamente.
Recusei-me a ir para a escola daquele jeito. Os garotos ririam de mim. Família pobre, nem pensar em comprar um sapato novo. Meu pai me ofereceu o dele, de bico fino e lustrado, uns quatro números maiores que o meu pé, dizendo ser moda nos anos 30. Relutei, recusei e enquanto minha mãe insistia que estava ótimo no meu pé, eu resisti. Não queria parecer o Pateta e acabei indo pra escola com o sapato rasgado mesmo, arrastando o pé, para que meus dedos não ficassem expostos. Não poderia perder a prova, nem deixar de ir com o uniforme completo. Era a ordem.
Até então, ninguém notara minha presença quando eu dizia que estava com dor na perna e não podia levantar muito o pé. Por conta disso, feliz e ingênuo, fui comentar com um colega de turma o ocorrido. Quando ele olhou pro meu pé, caiu na gargalhada. Pedi silêncio, supliquei que ele não espalhasse para o resto dos meninos e escondi os pés o quanto pude, até que todos esquecessem. Eu não sabia mais o que fazer, não havia um esconderijo possível.
Fui o último a entregar a prova. Queria que todos saíssem primeiro. Quando saí, no portão da escola estavam todos lá num tremendo bullying: “Boca de Jacaré!”, “Boca de Jacaré!”. “Boca de jacaré”!”… Até Angélica, que eu era super apaixonado, gritava no meio do pessoal: “Boca de jacaré!”
Daquele dia em diante, passei a odiar todos os jacarés com boca de gente.
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