Um serial killer é um assassino muito inteligente. Além do prazer em matar, ele deixa pistas para que seja descoberto pela polícia. Assim, a cada crime se torna mais excitante e a perseguição é parte do fetiche do criminoso.
Nosso conto é sobre um serial killer tupiniquim extremamente habilidoso. E metódico. Caprichoso mesmo. Ali pelo terceiro assassinato, quando começou a ser percebido pela polícia local, deixou uma carta, daquelas feitas com letras recortadas de revistas coladas no papel, toda inspirada em Shakespeare. A polícia não captou a referência. O máximo que poderiam alcançar era Nelson Rodrigues. Mesmo assim a nível das suas adaptações pra cinema, onde ficavam mais perto da pornochanchada do que um texto sobre costumes. confundiram Macbeth com MC Beth e quase prenderam a funkeira no lugar do serial killer.
– Malditos tiras! Não reconhecem minhas referências ao escritor inglês. Como ousam?
O assassino não se fez de rogado. Branco, loiro, olhos verdes. Era tão importante pra ele desfilar referências gringas que preparou mais um dos seus assassinatos e caprichou nessas referências. Dessa vez citou José Saramago em seu Ensaio sobre a Cegueira. Tirou os olhos da sua vítima. Já a polícia confundiu com Édipo Rei e prendeu uma tal de Jocasta. O serial killer ao menos ficou aliviado de que a polícia alcançou a mitologia grega. Mas teria ficado feliz mesmo se tivessem descoberto seu esconderijo na rua Portugal, tal qual o nome do país de origem do escritor Saramago.
– Terei que mudar de esconderijo. Meus crimes não estão ao nível do intelecto dessa polícia ordinária e deplorável.
No seu próximo crime pensou em usar Paulo Coelho, mas não ia ser tão rasteiro para nivelar com a polícia. Decidiu insistir e se referir a literatura infantil, se escondendo na rua Pequeno Príncipe, ficando numa casa com uma rosa na frente e um desenho de raposa. Acreditariam se eu dissesse que a polícia interrogou o Mauricio de Souza? De literatura infantil a poliçada estava defasada. Se fosse concurso de miss provavelmente teria alguma chance, mas tiveram batidas no Bairro do Limoeiro:
– Conhece alguma Mônica? É a residência do Senhor Cebola? – Era o nível das investidas policiais no bairro de mesmo nome da turminha.
O assassino perdeu de vez a paciência. Já não se importava mesmo em ser pego. Programou mais de um assassinato e se escondeu ao lado da delegacia. Dessa vez pecou também nas referências. Deixou na cena do crime um exemplar de O Pecado Mora ao Lado. Era o nome brasileiro do filme com a Marilyn Monroe, que nem se chamava assim no original. O exemplar do livro era daquela coleção de banca de jornal chamada Sabrina. Bem rasteira mesmo. A polícia deu batida nas livrarias. Não é possível que alguém conhecesse tanto de livro e não fosse livreiro. Num país com tão poucos leitores a lista de suspeitos era cada vez menor.
Mas o acaso traiu nosso assassino. Ao lado da delegacia funcionava uma pensão que vendia quentinhas. A polícia não percebeu a mudança do estabelecimento e continuou pedindo comida com eles, mesmo em outro endereço. Quando a comida veio ruim, o delegado e alguns policiais foram lá reclamar:
– Ô de casa! Vim falar sobre a boia!
Nosso assassino letrado já saiu com as mãos para cima:
– Eu me rendo! Eu me rendo! – Era tão requintado que não sabia o que era boia.
– Calma, moço! O senhor que faz as marmitas?
– Fui eu que matei, fui eu!
– OK, mas cadê a cozinheira?
Ao entrar nos outros cômodos todas as pistas estavam lá. Parecia uma exposição sobre o serial killer. Tudo desenhadinho pelo assassino. Um advogado, mais habilidoso, decifrou cada assassinato. Já o assassino foi enchendo a cela de livros enquanto aguardava o julgamento. Distribuía todo livro que lia para os policiais e carcereiros. Nunca teve tanto peso de papel, calço de mesa e fundo para reunião online na polícia como naquela época.
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