Já estava me sentindo bem satisfeito com a minha doce e pacata vidinha, ao escolher morar num lugar periférico, mas, ainda assim, nem tão afastado do centro; podia-se ir e voltar a pé, só passeando. A mudança de ares e o lugar tranquilo só vinham me remoçando aos olhos dos mais chegados. Aquilo estava me inspirando tanto que cheguei até pensar em escrever um livro de memórias. E, naquela solidão tão perseguida, cercado de bons livros e vinhos e clássicos temperamentais, de músicas a filmes e comidas, decidi desligar o celular e me desconectar das redes sociais. A vida, enfim, parecia me sorrir! Acordava ao som do passaredo, já distinguindo o gorjeio melífluo do sabiá laranjeira do trinado monótono da cambaxirra. Já vinha parafraseando aquela máxima de Vinicius: ♪…E o diz-que-diz-que macio Que brota dos coqueirais♪
Ah! Os meus ouvidos ainda nem bem se acostumavam ao som do silêncio e eu já vinha acreditando na vã possibilidade de recuperar as ilusões perdidas, até mesmo naquela balela filosófica de que “o nosso destino já vem traçado desde a maternidade!”. Ao menos até aquele dia sinistro; naquela maldita madrugada de quinta-feira, quando fui despertado por uma espécie de abalo sísmico. Senti um tremor e tudo pareceu que ia desabar sobre o meu quarto, sobre a minha adorada cama e o meu corpo todo… Uma agonia só!
Foi minha a culpa pelo descaso. Logo comigo, que, de tão cético quanto aos desígnios espirituais de uma engrenagem aniquiladora de destinos, sentia-me, agora, refém de uma espécie de conspiração universal. Deveria ter me atentado para os sinais, pois houve, na véspera, um carro de som anunciando algum espetáculo. Havia uma faixa pendurada na esquina. Fazer o quê? Nem dei trela do que se tratava, até quando senti aquilo tudo junto. E logo me chegariam respostas retóricas, quando o tal refrão passou a ditar a minha vida: ♪É só pensar em sexo, sinto até vertigem… porque sou virgem… porque sou virgem! Mas a minha virgindade não me impede de dançar o pancadão, empino o meu rabinho e de ladinho vou quicando até o chão, chão, chão!♪
E assim foi indo nas madrugadas seguintes, só parando na de domingo; semana após semana, sempre da quinta ao domingo. Só que, de segunda à quarta, eu continuava ouvindo aquela zoeira durante os meus sonhos. Sim! No melhor do meu sono vinha a tal musiquinha grudenta.
Eu estava acabado. Insone e mal humorado naquela manhã de terça-feira – exatamente a terceira do mês – acordei feito um quase zumbi e fui à padaria comprar pão e mortadela, pois a coisa estava mesmo desandando comigo e com o mundo à minha volta… mas, cabia ainda piorar! A balconista gritou assim para a caixa:
-Vai daí Maíra: ♪Penso em sexo sinto até vertigem…♪
E, as duas juntas: ♪porque sou virgem!… mas o meu cabacin não me impede de dançar… Chão… Chão..♪
A galera na fila, também cantou em coro. Perdi a vontade de comer. Fui pro centro. Caminhando pelo calçadão da cidade, resolvi parar em frente ao lojão “O Baratão”, quando ouvi o locutor anunciar algumas ofertas e mandando o DJ soltar o som para uma trupe de anões disfarçada de super-heróis, balançar os esqueletinhos, juntando uma multidão em frente ao comércio e eu lá no meio. Seria até engraçado de ver não fosse aquela minha agonia.
♪É só pensar em sexo que sinto até vertigem…♪ E a mini mulher-maravilha fingindo um desmaio, jogando o cabeção pra trás, sendo amparada pelos super-homenzinho e o Batman miúdo… Depois, em resposta ao comando musical: ♪Empino meu rabinho e de ladinho vou quicando…♪ e os três, sincronizados, colocando os mindinhos nos cantos das bocas, descem até o chão…
Meus camaradas “Aleatórios”, desde então, venho vagando em círculos até dar a hora do nosso encontro e, enfim, poder lhes contar sobre esta minha triste história, para, quem sabe, assim compartilhando-a, consiga me livrar destes refrãos grudentos martelando a minha cabeça.
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