Desde a despedida de Josefina Luiza, minha irmã, que foi morar com a parte da família do meu pai, que venho remoendo-me num moinho de indecisões. Geralmente opto pelo menos difícil. Mas quem não faz essa opção diante de tantas dificuldades e atravessamentos da vida contemporânea?
Para simplificar meu dia a dia eu costumo, mesmo, escolher o que é mais fácil de fazer. Mas nem sempre o mais fácil é o certo. E não estou falando aqui sobre nenhuma decisão moral ou moralista, ética ou antiética. Quero dizer: não é que eu escolha cortar caminhos para alcançar um objetivo de maneira mais fácil passando por cima das pessoas sem o consentimento delas. Não é essa a questão. É um sentimento muito meu. Particular.
Muitas vezes minha irmã me chamou de pessoa complicada. Ela que tantas vezes me defendeu de injustiças. Quais são os incontáveis dias que tive seu apoio! Um apreço enorme tenho por ela. Quanta saudade cabe dentro das memórias soltas ou dos sonhos acordados e das horas vadias?
E eu, Kamilla de Souza Oliveira, mulher, transexual, adulta, madura, independente, cidadã de grande prestigio no mundo da moda e, principalmente, admirada por muitos profissionais dessa área, inclusive da editora na qual trabalho, estou aqui diante dessa vasta, deslumbrante e bela cidade, no alto do edifício Belle De Jour em São Paulo, prestes a decidir por uma nova vida.
Um afastamento de tudo que já conquistei para me recomeçar do zero e criar minha própria editoria. Além disso, preciso decidir se farei ou não meu último trabalho na Vogue. Talvez essa garrafa de vinho não seja suficiente pra essas próximas ondas de pensamento. Nesse momento não há uma só decisão que me faça feliz por completa.
É duro. Conflituoso. Viver sob muitos elogios ou me lançar ao desconhecido do novo
desafio? Eu sinto que poderia tomar noites inteiras para me decidir entre o certo e o fácil. Mas cada vez que eu desço o prédio onde trabalho, ando pelas ruas dessa estranha cidade eu não vejo mais sentido no meu trabalho numa das maiores empresas desse ramo.
Há muitas outras coisas a fazer por tantas outras vidas que não aquelas que leem meus escritos. Há vida além das palavras escritas. Há anseios por questões tão básicas que mal consigo me sentir irresponsável e alienada vendo tantos moradores de barracas improvisadas nas calçadas, nas praças e abaixo dos viadutos.
A campanha do agasalho desse ano me mudou profundamente. A minha percepção dos lados mais frágeis da sociedade me fizeram relembrar de onde eu vim. Quem eu fui. A vida que tentavam me obrigar a ser. É como se nós estivéssemos obrigando centenas de milhares de pessoas a serem menos. A sentirem frio. A morrerem por tão pouco ou pela falta do mínimo.
Desde que fui convidada para essa troca de saberes com o padre Júlio Ancelotti não sai da minha cabeça o fato de que a indústria da moda faz circular milhões de reais por uma centena de peças de roupas e milhares de pessoas não tem como comprar roupas para as protegerem do frio.
Eu preciso escolher o certo. Preciso escolher não o caminho mais fácil. Mas o caminho certo.
Mas quem disse que o certo não é difícil?
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