Agenor Silvério era um homem vivido, cheio de razão, de idiossincrasias e de conselhos pra dar. Nos churrascos de família, escolhia desfrutar das melhores bebidas e sobremesas, embora só levasse mesmo cerveja barata como contribuição.
Na rua onde morava, era o mais politizado. Discutia de tudo, de gastronomia a Nietzsche nas mesas sujas dos botequins. Contudo, o ensino médio permanecia incompleto desde a época em que a nomenclatura ainda não era essa e Dondon, entre meninos, jogava no Andaraí.
O nobre senhor não assistia mais a telejornais. Escolhia os jornais impressos mais populares, sem nenhuma ligação com grandes empresas e a informação vinda via internet, para ele mais segura e dinâmica.
Durante as eleições, Agenor escolheu não votar, afinal, que democracia era essa se seu voto era obrigatório?
Um ano depois, no supermercado, escolhia o que fosse mais barato, já que a aposentadoria não era suficiente para custear as despesas básicas e negro fundo da carteira já era mais profundo que o da madrugada fria.
Com o tempo já passado e a força cada vez maior das mensagens enviadas de forma confiável pelo Whatsapp, bem informado, escolheu não tomar mais nenhuma vacina, principalmente as últimas, produzidas às pressas.
Nem chip implantado e nem alguém metamorfoseado em jacaré. Virar jacaré seria exótico e poético, se para Agenor não fosse o fim do mundo.
Anunciaram então finalmente que o mundo seria extinto por um meteoro. O homem escolheu sua melhor roupa e aguardou resignado, imaginando uma vida plena no plano espiritual. As estrelas eram testemunhas de sua espera, à janela de casa, diante do passado e do futuro. Diante da vida árdua, da morte imponente, mulher sorridente, vestida de lilás e com as mãos repletas de luz, cuja foice era a sentença mais certa para a humanidade.
O fim aguardado não chegou. Chegou apenas o fim da saúde pouco tempo depois. Não escolheu as roupas para a internação, tão pouco as visitas recebidas.
Num fim de tarde, em seu estado de delírio, a morte se aproximou e levou-o até Deus. Agenor achou que era o momento de escolher se ocuparia o céu ou o inferno. Deus então o pegou pelas mãos, mostrou a ele as diferenças biológicas entre homens e jacarés e a humanidade perdida entre o ir e vir de seus próprios caminhos. Deus lhe trouxe então uma informação importante: Você hoje não tem escolha. Levante e lide com as escolhas feitas. Nem jacaré, nem homem saudável. As escolhas estão nas suas mãos, as consequências também. Agenor acordou assustado. Hora da fisioterapia.
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