Sapatilhas de pontas bailarinas negras

A bailarina

A jovem senhora rega um canteiro de sempre vivas que ficava bem ao centro de uma praça recém inaugurada. Em quanto as molhavas, pensava no futuro das pobres plantas, quanto tempo durariam? Teriam que resistir aos cães, aos bêbados, aos vândalos… Ela balança a cabeça.

Monique trabalha em uma empresa de conservação urbana, contratada pela prefeitura de seu próprio município. E seu trabalho ali era aquele: varrer aos arredores, molhar as flores, limpar bancos, etc., etc….

Ela olha sem interesse os carros avançando o sinal em frente à praça. Do outro lado da pista homens trabalhavam, uma empresa de publicidade trocava a propaganda de um outdoor; acabaram de recolher a de um hipermercado. Monique estava ansiosa para saber qual seria a próxima, sem muito o que fazer, ela desliza a vassourona entre os bancos e sem opção entretém-se em ouvir a conversar de dois aposentados que jogavam
dama em um tabuleiro pintado na mesa.

– Cara! O moleque tinha tudo! Tudo para ser um grande artilheiro de futebol! Poderia estar em clubes renomados da Europa! Desabafa o mais grisalho, parecia falar do neto.

– Mas o que o impediu? Indagou o outro, curioso. O grisalho encolhe o pescoço entre os ombros e responde desapontado.

– Ah! Escolhas erradas!

Monique esboça um sorriso fraco ao ouvir o final da frase do idoso e se afasta pensando “Escolhas! Certas, erradas, será que temos mesmo?“ Na maior parte do tempo ela se sentia feito marionete, cujos fios dependia das mãos de alguém muito gaiato, sádico, pérfido, ferino! Que parecia divertir-se, alimentar-se de suas frustrações e insucessos. Ela olha de novo em direção ao outro lado da pista, os homens continuam lá, trabalhando! Aquele imenso outdoor, escondia atrás de si, o morro que ela nasceu, cresceu e padeceu a vida toda! “Sonhos” a palavra estava escrita no outdoor, ela lê e sorri, ainda não dava para saber o que divulgavam, mas era linda essa primeira palavra! Quase que de imediato Monique lembra de um sonho passado, do tempo que ainda se permitia a sonhar. Ela desejava ser bailarina! Desde os quatro anos, quando ganhou uma sapatilha usada da patroa da mãe, Dona Fátima, ainda lembrava o nome da bondosa senhora que dava tudo que não lhe servia para a sua mãe levar para casa.

Aos quatro anos, Monique já tinha dois irmãos mais novos e bem antes de completar oito, ganhara mais três. As dificuldades só aumentavam, no entanto o sonho da bailarina permanecia; sua mãe encontrara uma ONG que oferecia aula de ballet gratuitamente para crianças e jovens de comunidades, e ela agarrara a oportunidade e não faltava uma só aula, era aplicada e talentosa! Aos 14 anos foi convidada pela ONG a participar de um festival no Rio Grande do Sul, valia uma bolsa de estudo na Europa. Ela lembra que ficou eufórica e, a mãe, preocupada; primeiro por ser ainda muito menina, segundo e muito mais importante, Monique era braço direito daquela mãe que criava sozinha 6 filhos. Mas, apesar disso ela foi ao Rio Grande do Sul e brilhou! Brilhou tanto que voltou para casa com a bolsa! Dona Zilda, dividida entre o orgulho e as preocupações, acabou por permitir ascensão da filha. Mas o sádico infeliz que manipula marionetes, atacou novamente, e numa tarde fatídica ao voltar do trabalho sua mãe sofre um acidente na van. Fatal.

Depois disto, para a jovem futura bailarina, só restou assumir o trabalho da mãe na casa da Dona Fátima e criar os irmãos. Monique só suspira, já não havia mais lágrimas dentro de si, levanta a cabeça:

– Ah!! O outdoor! Ficou pronto! “Imperdível!! O maior corpo de ballet das Américas! Em uma única apresentação! Teatro Municipal de sua Cidade! Venha viver esse sonho!”

Monique acabou de ler… e descobriu que ainda tinha sim, muitas lágrimas dentro de si.