– Vai você!
– Tu que está acostumado!
– Quero te ver vestido de madeira!
– Não desejo a ti a morte, porque o inferno está cheio!
O prédio, no final da rua Otávio Tarquínio, trouxe para janela as fofoqueiras… O barraco estava armado. Anita havia descoberto a traição do marido, flagrado na alcova, na companhia do borracheiro, no Motel Medieval.
A triste coincidência aconteceu quando a vizinha do 207 traía o marido, à tardinha, no mesmo estabelecimento. À amiga testemunhou o casal, todo serelepe, com os cabelos molhados, abraçados, saindo do hotel. O borracheiro escondia o lado feminino atrás do bigode, já o marido da dona não dava pinta; mas trocavam as línguas na despedida do ninho de amor.
Nova Iguaçu, inteiro, tremeu com a repercussão do caso, a separação foi inevitável. O cara deixou a casa pra ela, indo morar nos fundos da borracharia, em comunhão estável.
Anita definhou, virou um palito, perdeu o apetite: sendo socorrida pelo açúcar, o chocolate, o pé-de-moleque, a cocada, etc. Em pouco tempo ganhou espaço no mundo, engordou cem quilos.
Deprimida, carente, cedia à chantagem da glicose: lutava contra a carência com a doçura dos açucarados.
Namorou o sujeito do térreo, deu ao barbudo de frente, só nunca transou com a lagartixa, porque ela subiu na parede; porém o buraco era mais embaixo, o vazio existencial enchia o âmago da criatura… A situação atenuou – inesperadamente – na aproximação, amorosa, da vizinha delatora que dedicou carinho, atenção… Iniciando um romance, fincado em novas descobertas…
Adileia, a vizinha cagoeta, enganava o marido no Motel Medieval, com um afeto insignificante, fazia pra se vingar do carma de conviver com a besta do esposo; no entanto, a paixão por Anita, constituía uma forte atração, venceria qualquer barreira por aquele sentimento.
Anita continuava triste, uma rosa murcha num jardim de pedra, engordava cada vez mais, encontrava nas guloseimas um conforto pra sua frustação… Logo foi diagnosticada com obesidade mórbida.
A amante, incansável, correu atrás, conquistando no SUS o direito à operação de redução de estômago para a companheira. Feito o procedimento, efetuada as plásticas reparadoras, a mulher parecia uma deusa da beleza!
A primeira providência de Anita, agora gostosa, foi arrumar um garotão, dando desprezo a Adileia; dispensou o coito homossexual, uma crueldade com a vizinha.
O relógio disparou os ponteiros, o tempo correu, o rapaz cansou da velha Anita, arrumou outra; largou a ingrata nos braços do desespero, de novo… Ela, descontrolada, vendeu a casa, gastou o dinheiro pagando o sexo dos cafajestes.
Já na rua da amargura recorreu ao antigo relacionamento, sendo acolhida na borracharia, sujeita a um triângulo amoroso.
Os três viviam em harmonia, até a semana passada, quando o comércio de pneus rolou ribanceira abaixo, deslizando nas correntezas da enchente. Perderam tudo, inclusive a vida…
Muito sutil o enredo do conto. Uma situação irônica e, ao mesmo tempo, uma moldura que se encaixa no quadro da realidade.