O político, formado em direito, caçoava de tudo, tendo a vida como um jogo, só acreditava na sorte, dava as costas ao espelho, negando o seu reflexo…
Paulo Conversa, resultado do marketing, vereador eleito uma porção de vezes; levava o povo na conversa.
Em Queimados, frente à comunidade, nunca se queimava, porque iludia, mentia, prometia, fechava um buraco, destampava o outro; vivia de enrolação, sempre dava um jeitinho…
Aposentava homem broxa, mulher na menopausa, preguiçoso, cabo eleitoral, etc. Mantinha a base política assistida.
Paulo fazia das tripas o coração, estava na boca das urnas, nos braços da massa: presenteava os aniversariantes, comprava as flores dos casamentos, frequentava os churrascos, advogava para malandragem da boca de fumo; era um político popular!
O morto caía — já sabia— prestava as condolências, providenciava os preparativos, chorava meia hora aos pés do defunto, abraçava a viúva, despedia-se do eleitor falecido, garantia o voto da família, nos teclados da urna eletrônica.
O display do celular acendeu, passava das 11h, o Sol escaldante, o telefone anunciava um churrasco, recebia um convite da turma do futebol, da pelada dos solteiros contra os casados, no campo do Nova Iguaçu Futebol Clube. A carne aguardava na brasa, numa churrasqueira alheia ao assassinato do gado, torturando as coxas da galinha na grelha.
Colocou a camisa do Clube, comprou três quilos de costela, apresentou-se na comemoração. Entregou a costela suína ao churrasqueiro, sentou na cadeira de madeira, na mesa do restaurante, em frente ao campo.
Do lado direito, encaminhou os olhos à vitrine da loja, do figurino do time, da primeira divisão do campeonato carioca. Levantou a testa para solicitar uma dose de cachaça, percorreu o visual, no salão, à procura da garçonete, quando fixou a atenção numas pernas roliças, de uma mulher, de lábios grossos, dona de uns seios que fariam inveja a qualquer espanhola.
A garçonete registrou o apelo, trouxe a cachaça, o vereador engoliu num gole só, beliscou um churrasquinho; tomou coragem… investiu na dama solitária, com simpatia, foi correspondido, mudou de mesa, conferindo, novamente, os peitos volumosos.
O papo rolou às mil maravilhas, beberam umas cachaças, um montão de cerveja, tirando gosto na saliva dos beijos ardentes! Paulo pagou a conta, entrou no carro bacana, com a gostosa no banco do carona, pisou fundo no acelerador, disparou na contra mão — em fração de minutos— via a cor da calcinha do monumento, na cama redonda do hotel.
No motel Comanche, apaixonado, ele fez a festa, misturou bebida, sacrificou o fígado; pois a companhia mais parecia uma esponja, bebia compulsivamente. Gozaram, alucinadamente, até pelos buracos do ouvido…
De volta ao lar, fim do dia, deu um beijo na esposa, pegou o filho no colo, tomou um banho frio, deitou no sofá, relaxou; solicitou um chá de boldo, dormiu pesado, a ressaca o consumia.
A campainha tocou, havia falecido a mulher do presidente do partido, com coma alcoólico, na manhã daquele domingo, no Hospital da Posse. Ficou puto, resmungou, xingou a divindade, colocou o terno perto, saiu de casa, de noite, de óculos escuros, destinado à obrigação de morte.
Na madrugada, as corujas dormiam, o café frio rolava na garrafa térmica; o velório testemunhava a consternação do vereador, reclamando da vida, consolando os eleitores.
O astro rei nasceu triste, em respeito à morte, em plena segunda-feira; o padre chegou, procedendo ao ritual fúnebre, seguindo as últimas considerações, chamou os espectadores, iria fechar o caixão. Inesperadamente, os presentes foram surpreendidos com as súplicas do vereador — pura demagogia— desejoso de fitar o rosto do cadáver, num último adeus…
Ao levantar o véu da falecida, deparou com o rosto da amante, da protagonista do orgasmo no motel, no dia anterior, da parceira de cama no Comanche, a mulher da pelada, esticada no pijama de madeira…
Deu sete pulos, tropeçou nas pernas, espatifou, no chão de cimento, corroborando o amor eterno, naquela dupla traição.
Deixe uma resposta