Antes de iniciar a decisão do campeonato, o juiz pediu um minuto de silêncio. Talvez seja o tempo necessário para ler essa história. Um minuto de silêncio por conta do falecimento do Pelezinho, craque do meu time, o Muquiço. Meu time não, o Muquiço é da comunidade. Foi para a comunidade que ajudei a fundar o time, há quinze anos atrás. E o Pelezinho estava desde o início. Chegou com doze anos, franzino, marrentinho, ninguém segurava o menino. Ele era desobediente. Eu ficava louco na beira do gramado! Ele batia no peito e dizia: “Eu sei o que tô fazendo!” Com ele em campo o Muquiço dificilmente perdia. Eu dava bronca por que esse é o meu papel. Mas o moleque era danado, sempre deixava a sua marca. Metade dos troféus que o time conquistou devemos ao Pelezinho. Se não tivesse sido preso aos dezenove anos, tenho certeza que seria um profissional e tanto. Ele era desobediente, como eu disse. Não ouviu os meus conselhos. Largou os estudos e virou traficante.
Pelezinho podia ser escorregadio e driblador nos gramados. Na vida real e, no primeiro cerco policial, foi logo preso. O Muquiço perdera o seu craque por oito anos até ele aparecer no mês passado, com uma trouxa de roupa, com cara de trouxa e com o tornozelo grampeado. Seu pai havia morrido, dizem que de desgosto, sua mãe casou com outro e disse que não tinha espaço pra ele no barraco. Seus irmãos também não lhe deram muita atenção, afinal, foi ele quem quis virar bandido, disseram. Sua mina casou e mudou de morro. E, se minha mulher tivesse concordado, levaria ele para minha casa.
Tentou arrumar algum trabalho na comunidade. Quando viam a tornozeleira lhe davam uma desculpa. Prometi que compraria uma calça comprida para esconder a tornozeleira. Prometi também que ele seria o treinador do Muquiço e que estava fechando um patrocínio com o bazar do Seu Zé Carrapeta. Não deu tempo. A polícia subiu o morro quando ele descia pra vender bala no sinal. Quando viram o negão com a perna sinalizada, lhe tiraram a vida com um tiro na cabeça.
Ao terminar essa história, peço humildemente um minuto de silêncio. Um minuto de silêncio por conta dos Pelezinhos que não tiveram a chance de reconstruir seus destinos. Por que sempre haverá uma nova chance. Todos nós temos o direito a um recomeço, seja qual tenha sido o nosso erro.
Um minuto de silêncio pelos pretos que estejam sendo condenados nesse exato momento pela sua cor. E, que nesse mesmo minuto de silêncio, ainda consigamos renovar as esperanças para um mundo mais justo a todos. Sem exceções.
O juiz apita. Vamos pro jogo.
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