Assim que as portas da Capela Sistina se fecharam, começou o espetáculo menos televisionado do planeta: o conclave. Sem celular, sem relógio, sem nem um radinho de pilha — só homens, batinas e um leve cheiro de mofo e mirra.
— Dos cento e trinta e poucos que estão aqui — sussurrou o Cardeal Carmelo — só tenho uma certeza: ninguém quer sair daqui com um novo nome e um sapato vermelho.
— Nem com um novo nome, nem com esse monte de puxa-sacos em volta — completou o Cardeal Staropolli, tirando da batina o farelo de bolo que tinha comido antes da clausura.
Ali, ninguém queria ser papa. Principalmente pela rejeição que cada nome sofria desde quando aparecia na primeira votação. Eram rejeitados várias vezes, o que aumentava imensamente o prestígio moral do eventual eleito.
A regra era clara: apenas cardeais com menos de 80 anos podiam votar ou ser votados. E dos 133 presentes, todos sabiam os 10 que seriam levados a sério. Sabiam também quem seria rejeitado em cada facção, por questões que iam de teologia à pronúncia do latim.
— Carmelo? O grupo da cúria alemã diz que ele é progressista.
— Progressista? Ele deu um sabão outro dia quando um casal gay pediu a benção. Foi um quiprocó!
— Mas ele segue uns caras marombados no Instagram. E curte as fotos.
Staropolli também não ia longe. Foi rejeitado pelos franceses por ter uma risada alta demais e por ter sugerido, em uma entrevista, que “comunista não ia pro céu”. Essa galera não perdoa. Cardeal Ignácio era promissor, até ser descoberto que havia, uma vez, cochilado durante o Angelus. Cancelado.
Rodada após rodada de votação, as rejeições se acumulavam mais rápido que as cédulas. Ninguém alcançava os 89 votos necessários. No fundo da Capela, três manequins de madeira já estavam vestidos com as vestes papais, tamanhos pequeno, médio e largo. Uma lembrança de que elas serviriam a cada tamanho de homem.
Na décima votação, um movimento emergente tentou eleger o Cardeal Altamiro, de Angola.
— Ele fala seis línguas, é discreto, ortodoxo e tem a cara de pobre.
— Mas dizem que ele come com garfo de sobremesa — sussurrou alguém da ala italiana. Rejeitado!
O conclave virou uma partida de War, que leva muitas horas e ninguém mais faz questão de vencer. Era veto atrás de veto. Não havia consenso. Só cancelamento. Na décima quinta votação, alguém votou em um nome que nem estava lá: — Padre Kelmon!? Não é aquele que foi candidato a presidente no Brasil?
— Ele mesmo! O padre de festa junina.
Na vigésima terceira rodada, surgiu um nome que um burburinho enorme: Cardeal Bonfim de Aracaju.
— Ele está aqui? — perguntou Carmelo.
— Está. Sentado lá no canto desde o primeiro dia. Não falou nada.
Bonfim era discreto, boa aparência, parecia sempre prestes a pedir desculpas por respirar. Ninguém o rejeitava. Simplesmente o ignoravam.
— Ele é neutro, ortodoxo, não é carismático, não tem opinião… — disse Turilli, entusiasmado. — É perfeito!
Rodada seguinte: 103 votos para Bonfim. A fumaça estava pronta pra subir. Branca. Um coral espontâneo de “Ave Maria” ecoou da praça. Dentro, o Mestre de Cerimônias se aproximou do novo eleito:
— Eminência… aceita? — Bonfim suava em regiões que o catecismo não cobre.
— Não.
— Como?
— Digo… aceito, aceito, claro. Mas… posso continuar sendo ignorado?
Vestiram-no com a batina do tamanho médio. Antes de sair à sacada, perguntaram-lhe o nome papal.
— Bem… pensei em “Pio XIII”. Soa leve, puro. E ninguém rejeitou Pio XII com ênfase.
— Pio XIII, então?
— Sim. Mas posso propor, quem sabe, um dia, a ordenação de padres mulheres?
— Nãaaaaaaao!!!
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