india indigena

Reencontro

Anahi já morava naquela cidade há quase doze anos, mas nunca conseguiu se acostumar de verdade com aquela barulheira incessante dos motores dos carros, do buzinaços das motos e do cheiro de combustível queimado que os ônibus soltavam dia e noite. Resolveu admitir que estava sentindo saudades de sua aldeia, do silêncio da mata e do canto dos pássaros.

Mas, nem sempre foi assim. Deixou seu povo aos dezoito anos para tentar a vida na capital, por achar que fora dali a vida seria muito melhor. Os jovens estavam sendo seduzidos pelo estilo de vida que viam nas novelas e séries de plataformas de streaming da internet por rádio instalada no povoado. Começaram a abandonar suas tradições, costumes e até mesmo a desrespeitar os mais velhos, o que antes seria inadmissível em sua cultura.

Seu pai, Akaynã, sábio como era, vendo a ilusão crescer na alma dos mais novos e principalmente no espírito da filha, disse:
– Anahi, tome cuidado para não se perder no brilho da civilização. Não se iluda com tudo o que entra pela tela do computador, minha filha, e, não se perca de você. Não se esqueça nunca de que você é uma filha da mata.

A jovem, ao ouvir aquilo, estremeceu um pouco, mas não deixou de seguir o que achava ser seu destino. Decidiu ir embora para “melhorar de vida” fora dali.

Ao chegar à capital trabalhou como faxineira, empregada doméstica, babá, e, atualmente, era vendedora em uma loja de roupas. Resolveu estudar, melhorar sua escrita e fala da língua portuguesa pois, indígena que era, se sentia muito discriminada por não falar e escrever corretamente e, por essa razão, não conseguia empregos com boa remuneração. Trabalhava sem descanso e começou a se sentir um tanto perdida, como havia previsto seu pai.

Um dia, quando voltava do trabalho, cansada, ao dobrar a esquina de onde era seu prédio, viu o vulto de um homem alto. Aquela pessoa parecia olhar diretamente para ela, porém, não dava para ver direito, pois a rua estava muito escura. De repente, Anahi reconheceu aquele homem e começou a gritar “Pai!”, porém o vulto se dissipou e sumiu assim como havia aparecido, de repente. 

Assim que a imagem sumiu, ela ouviu o canto de um uirapuru bem próximo. Olhou para frente e viu o pássaro no lugar onde o vulto esteve. A avezinha olhava insistentemente para ela e cantava como que chamando a jovem para segui-la. 

Anahi se ajoelhou no chão ao lado do pássaro e cantou uma canção em homenagem a Akaynã, seu pai, que ela sabia que havia morrido.  Assim que a jovem acabou de cantar, a ave olhou para ela mais uma vez e voou, sumindo no horizonte. Chorando, Anahi pegou a pena do uirapuru que ficou no chão e disse “está na hora de me encontrar novamente.” No dia seguinte, arrumou suas coisas e voltou para o seu povo. 

Honrou seu pai até o fim de seus dias, incentivando a perpetuação das tradições através dos mais jovens que, ao contrário daqueles da geração dela, já conheciam a experiência de seus pais e da grande chefe Anahi, que havia ser perdido de si mesma ao viver na cidade grande e se reencontrou ao voltar para casa.