Diante da imensa árvore, me arrepiei ao pensar na dor dilacerante que sentiu aquela mãe ao dar à luz aos seus filhos gêmeos. Seu corpo e sua alma sangrando. Como escolher matar um filho ou o outro? Qual mãe conseguiria fazer tal escolha? Nem mesmo uma brava guerreira como ela.
Na aldeia, cunhatãs e curumins brincavam uns com os outros, e com os bichos, e com a terra. Mas banhar-se no rio era mais que uma brincadeira. Era ser o próprio rio e entender que faziam parte da natureza que os cercava. E dela, dependiam para existir, e continuar existindo seus filhos, e os filhos de seus filhos. Por isso, de tempos em tempos, o cacique escolhia alguns deles para serem guerreiros. As ameaças eram constantes. Outras tribos querendo ganhar mais terras, homem branco querendo escravizar e levar as riquezas que haviam na aldeia. Amesca foi uma das cunhatãs escolhidas para se tornar uma guerreira. Ela era ágil quando corria na mata e sabia muito bem flechar as pequenas caças. Ser uma guerreira e proteger sua aldeia era motivo de muito orgulho. Ipapamakã e imamakã também ficaram orgulhosos de sua filha. Mas sua vida não seria como das outras mulheres. Ela seria preparada pelos guerreiros mais experientes, viveria como eles e jamais poderia se casar e ter filhos.
Amesca se tornou uma bela inrré. Cheia de força e beleza, saía para as guerras sem medo algum. Acreditava na experiência do cacique e na sabedoria do pajé e seus rituais para proteger os guerreiros. Foram muitos conflitos enfrentados por aquela tribo. Amesca participou de todos eles e lutou bravamente. Muitos guerreiros se feriam, mas sempre voltavam. Aquela era a sua vida: proteger a aldeia. Certa vez, porém, numa batalha, os inimigos eram mais numerosos e, estando em desvantagem, o cacique mandou chamar os Pataxós de outras aldeias. Precisavam se unir para ganhar aquela guerra. Vieram muitos outros guerreiros e venceram. As tribos se juntaram para festejar. Ao redor da fogueira, alegria, danças e o inesperado. O olhar encantado de um kakuçu para Amesca. Seus olhares se cruzaram. Mas Amesca era uma guerreira, jamais poderia se casar. E se apaixonar? Ninguém havia ensinado a ela como não amar. Essa lição não fazia parte do manual dos guerreiros. Agora, Amesca travava uma batalha dentro de si mesma. Dividida entre o amor de um rapaz e a sua missão de guerreira. Sentiu medo. Foi a primeira vez que percebeu-se mulher. Ter crescido com os homens, pensando apenas em lutar e proteger sua tribo, de certa forma, a fez esquecer de que era uma mulher. Que seu corpo tinha outros anseios, sua alma outros desejos. Ela resistiu e lutou, mas foi dominada pelo inimigo. Viveram o amor intensamente, em segredo, por um longo tempo.
Quando Amesca ficou grávida, sentiu muito medo. Toda a tribo descobriu que inrré e kakuçu se amavam. Mas ela era guerreira, não poderia se casar, nem ter filhos. Esse era o costume dos Pataxós. E ao descobrir que gerava gêmeos, sentiu uma profunda angústia. A crença era que uma criança traria o bem para a aldeia, e a outra, o mal. Por causa dessa maldição, ao nascer, uma delas deveria ser sacrificada. Era algo impensável matar um de seus filhos. Enquanto os gêmeos cresciam em seu ventre, Amesca definhava de tristeza. Todos os dias, chorava a dor de ter que sacrificar um deles. Quando chegou o dia de dar à luz, não tinha mais forças. A parteira conseguiu salvar as crianças. Os homens realizaram a grande cerimônia dos guerreiros em um lugar afastado da aldeia e ali a enterraram. Sua morte havia encerrado a maldição sobre seus filhos. Era assim que eles acreditavam.
Muito tempo se passou e a aldeia cresceu. Outras inrrés e kakuçus se apaixonaram e geraram filhos. Precisaram de mais terras para construírem suas ocas. Quando alcançaram o lugar onde tinham enterrado a guerreira, encontraram a imensa árvore. Os pequenos frutos, grudados um ao outro, e uma seiva branca que escorria de seu tronco. Acreditaram que era Amesca, a mãe que morreu por seus filhos, a mulher mais guerreira de todas da aldeia, e deram àquela árvore o seu nome.
Deixe uma resposta