Iara estava sentada na areia fria da praia, onde o murmúrio do mar se misturava ao sussurro do vento. O céu tingia-se em tons alaranjados, enquanto o sol mergulhava no horizonte. Com os pés descalços, enterrados na areia úmida, ela segurava nas mãos um colar de pedras sagradas. As pedras pareciam captar os últimos raios de luz, refletindo um brilho suave e misterioso, enquanto o vento balançava seus cabelos negros.
Seu olhar estava perdido no horizonte infinito, mas sua mente vagava pelo passado. Ela pensava nos seus antepassados Tupinambás, seu povo que há gerações caminhava por aquelas mesmas terras, respirando aquele mesmo ar salgado. Cada onda que quebrava na praia parecia contar uma história antiga, histórias que Iara sentia no fundo de seu ser, mas que nunca ouvira por completo. Ela sabia que aquele colar em suas mãos não era apenas um adorno, mas um elo – um fragmento de memória que atravessava os séculos, esperando para ser compreendido.
Fechando os olhos, ela sentiu o peso das pedras contra sua pele. Era como se vibrassem suavemente, uma pulsação que ecoava o ritmo das ondas. Uma sensação estranha começou a envolvê-la, uma mistura de ansiedade e inquietação. O mundo ao seu redor parecia desacelerar. O barulho das ondas começou a desvanecer, e tudo o que restava era o som do seu próprio coração. E então, algo mudou.
Iara abriu os olhos, mas o mundo que a rodeava havia mudado completamente. O céu era agora de um azul intenso, sem vestígios da tonalidade crepuscular que antes anunciava a noite. A praia estava vazia, exceto por uma figura que emergia lentamente do horizonte. Era uma mulher de porte majestoso, sua pele bronzeada pelo sol e os cabelos negros, ornados com penas coloridas e trançados de forma intrincada. Vestia-se com tecidos e adornos que Iara só ouvira a descrição por seus mais velhos, sobre a roupagem de seu povo antigo. A jovem sentiu seu coração acelerar. De alguma maneira, ela sabia: estava diante de uma ancestral Tupinambá, alguém cuja essência era parte de sua própria existência.
A mulher aproximou-se com passos suaves, como se a areia lhe respeitasse e evitasse ceder sob seus pés. Quando chegou perto, fez um gesto com as mãos, como se descortinasse o passado e as cenas da chegada dos homens brancos, a truculência, os estupros, a matança, passavam diante de seus olhos, como um filme em alta rotação. Iara estava em choque, perante tanta violência que assistia. Carregando em seu ser séculos de história e sabedoria, a ancestral falou:
— Iara, você foi escolhida para ser a voz de seu povo. Nunca mais deixe alguém dizer que essas terras foram descobertas. O que aconteceu aqui foi uma invasão, que resultou em um dos maiores genocídios que o planeta já vivenciou. Nossas raízes não podem ser arrancadas, nossa luta é a resistência quanto ao apagamento de nossa história e nossa cultura.
Apontando para o colar que estava com Iara, continuou:
— Este objeto é mais do que uma herança, é um portal de comunicação com o espírito de nosso povo. Nossa história é mais do que palavras, ela vive no sangue, na terra, no céu e na natureza.
Nesse momento o colar de Iara brilhou intensamente, como se cada pedra estivesse agora viva, pulsando. Iara sentiu uma onda de energia atravessar seu corpo, como se algo antigo despertasse dentro dela. Com olhos lacrimejantes, ela finalmente conseguiu perguntar:
— Por que eu? O que devo fazer?
A ancestral sorriu um sorriso cheio de firmeza e ternura e respondeu:
— Porque você é ponte entre o passado e o presente. Não se trata apenas de lembrar, mas de lutar para que nossa memória nunca seja apagada. Volte ao seu tempo, Iara, e carregue a voz dos Tupinambás. Fale por nós.
Antes que Iara pudesse dizer mais alguma coisa, o cenário ao seu redor começou a desfocar. O azul do céu misturava-se ao som das ondas e ela sentiu-se puxada de volta ao presente. A mulher ancestral desaparecia lentamente, mas deixava em sua última palavra um eco eterno: “Resistência.”
Iara despertou na mesma praia, o colar ainda em suas mãos. O objeto parecia diferente agora, mais pesado, como se carregasse todos os ensinamentos que ela acabara de receber. E em seu coração, Iara sabia que sua jornada estava apenas começando.
Com apenas 24 anos, Iara Cunhatái, ativista e estudante de Direito, representará o povo Tupinambá na conferência do clima, a COP30, em Belém, ressaltando a necessidade de medidas urgentes para frear as mudanças climáticas e destacando a importância da luta pela preservação do meio ambiente e pela garantia dos direitos dos povos indígenas.
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