Cai cedo ou tarde

Funerária

A Funerária Rumo Certo era inaugurada, na Avenida Joaquim da Costa Lima, por João Cai Cedo; criado, desde pirralho, em Belford Roxo.

Cai Cedo começou a carreira profissional, como papa defunto, na juventude. Trabalhou duro, logrou algumas economias abrindo o comércio da morte.

O negócio ia de vento em polpa, morria mais do que nascia — ramo lucrativo —todos queriam bom enterro…

A situação degringolou com o advento do amor, do relacionamento sério, do casamento; a obrigação impunha mais responsabilidade. A garota já casou gravida.

A carestia acometeu o chefe de família, gerando a necessidade de um bico para completar a renda, um por fora…  Numa fração de segundos surgiu uma oportunidade ilegal, porém lucrativa.

Mal morria alguém, ganhava um pente fino, o larápio prendia desde a cueca de marca ao espartilho, o arrastão acontecia na hora da maquiagem, da ornamentação do caixão. Indefeso, o corpo frio perdia a aliança, os dentes de ouro e as próteses.

O morto chegava, na funerária, com as mãos pra cima, sabia da sua sina, seria roubado. Primeiro ele retirava, com o auxílio de uma bomba d’água, todo o sangue do moribundo. Engarrafava e vendia às clínicas clandestinas de cirurgia plástica.

João derretia o ouro no fundo do quintal, vendendo no câmbio negro. As próteses, depois de lavadas, eram colocadas em caixinhas bem arrumadas, com selo de qualidade; iriam habitar outros corpos.

Os casos assombrosos somavam-se ao sobrenatural. Uma dentadura, colocada com certificado de garantia, na esposa do vereador da Pian, sorria sozinha. O cérebro do gênio, instalado na cabeça de um idiota, confundia a ignorância com a inteligência. Os desatinos contextualizavam os conflitos existenciais entre a vida e a morte.

Cai Cedo administrava o negócio, ao telefone, no balcão da padaria, naquela manhã, curtindo um cafezinho, quando uma dor insuportável gritou dentro dele; perdeu o equilíbrio, esborrachando a cara no piso da Padaria da Solidão. Por sorte, a balconista fez a massagem cardíaca, retardando o ataque fulminante. Socorrendo-o, às presas, no Hospital do Joca.

Na maca, o enfermo estrebuchando, foi encaminhado à sala de cirurgia, onde lhe aguardava um coração de plástico, com boa procedência, prazo de validade, com a etiqueta cai cedo, ou tarde.

Aquele coração de plástico era um órgão apaixonado, desencaminhado por descuido, amava a vida, sonhava com a paz!

Após a cirurgia, o coração gerou oposição à mente do pilantra, pois mediante qualquer mentira ele inchava, esbarrava nas costelas, oprimia o peito do papa defunto.

A operação retirou do empreendimento o empresário, porque se tornara incapaz de manter a iniciativa financeira de morte. Refez os conceitos, investiu em flores, abriu uma floricultura — quem diria — virou poeta, facilmente encontrado na última quinta-feira do mês, no sarau dos Poetas e Afins.

Confuso, apresentou-se como cobaia humana, numa iniciativa sem comprovação científica, para aumentar a integridade, livrando a raça humana da falta de honestidade.