Minha rua

Entrada da favela

Na minha rua, quase no meio da favela, ninguém conheceu uma vez um outro tempo maravilhoso desse, de mais surpresa que momentos, que podia fazer de conta que podia ser criança pra sempre, como naquelas brincadeiras no espaço perdido entre o quintal e os sorrisos da nossa vó.

Ali as manhãs cheirando a frutas e, de tarde, o céu dando de sete cores no final da esquina. A gente brincava sem comparamentos, enquanto nem pensava que pensava, com nosso desconhecido amor.

Eu tinha um eterno enorme dentro do corpo. Por motivo de eterno não fui uma menina quieta; só estava vivendo os futuros passados. Era a menina e as árvores. Era a menina e a rua. Era a menina e o muro do vizinho. Era a menina e as estórias de verdade. Vivia, feito emoção. Porque os meus dias de menina falavam a partir de ser criança, insistindo em fazer real coisa que ninguém sabia. Só o que era inútil, novo e
necessário.

A rua da casa da nossa vó era o mundo, cheinha de tudo… tudo nascendo – a gente não sabia quando o tempo acaba… E eu quero ir pra lá… Não sei. O passarinho-aprontando-arte na janela… Um pedacinho de mim ainda perdido naquela bagunça: desapareceu de pensar. Eu queria um bolinho de padaria… Eu queria a minha rua vir aqui. Mas, não pode, ué… coisa dessas que jamais aconteceu.

Sei que agora é tarde, e temo esquecer com a vida, nos perdidos do mundo. Mas, então, ao menos, que, peguem em mim, e me deixem com essa lembrancinha de nada, nesse gostinho de passado, que não para, de longas memórias: e, eu, rua curiosa, rua aberta, rua pequena – a rua.

Agora mesmo, quando me perco, de carinho apertado, eu tomo o seu lugar, da rua, na lembrança… E, assim escondida, meu coração bate na melodia da mais certa. Quase como brincava descalça de novo no mangue. Por isso, eu resolvi voltar quando valia a pena por um gosto de voltar. Como quem aprecia botar sentimentos das origens no fundo da existência. Por tudo isso é que hoje estou quando menina. Por que nesse tempo a rua era quando uma vida inteira.

Aí – eu sinto que, o que é, ainda menina, é que é aquela rua, em mim, hoje, demais. De melhores momentos, mansos, os nossos bons momentos que eu carrego comigo. E a gente, agora, dividindo o mesmo corpo, as mesmas manias antigas, eu e a rua, no desejo de se mandar buscar, o sentimento desaparecido.