Sabia que haveria um comício de alguém que chamavam de “mito”. Me interessava por esses fenômenos sociológicos de massa dos humanos e desejava tentar entende-los. Bem antes da hora, busquei na praça central da cidade um banquinho que imaginei adequado para observar a “massa” em ação. Um banquinho, uma garrafinha de água e uns biscoitos, foram meu material de sobrevivência no tal comício. Aos poucos, começaram a se unir gente de todas as idades, que aparentemente eram normais. Se vestiam mais ou menos uniformizadas em verde e amarelo, carregando bandeirolas. Percebi expressões de ansiedade e felicidade, aguardando a chegada de seu líder, quase um semi-deus, ou quem sabe o próprio Deus em carne e osso. Falavam, tagarelavam. praguejavam contra os inimigos (não eram adversários políticos) e culpavam sempre os outros por seu infortúnio e fracassos: “- …foram eles que…”,”-… a culpa é deles…”,etc…etc… Esperavam palavras que reafirmariam suas expectativas de destruição de seus inimigos. Aos poucos, o espaço onde me encontrava foi se reduzindo e fui aos poucos sendo espremido pela multidão. Começaram a ficar agitados e inquietos na medida que o “mito” estava para chegar. Aos poucos aquelas pessoas foram ficando avermelhadas, mas quando o “artista tragi-cômico” subiu no palco e tomou o microfone, o frenesi, e o delírio da multidão mostrou seu ápice, e sua efervescência. O “salvador” começou a falar; ou melhor: começou a gritar, vociferar, denegrir, xingar, rosnar, grasnar, ofender e, diante de meus olhos, suas feições começaram a mudar, se tornando um verdadeiro monstro esverdeado, como se fosse um grande jacaré, com seus grandes olhos avermelhados, sedentos de sangue, listando palavras de ordem de ódio. A “massa” aderiu e ebuliu quase que instantaneamente, como um prato de miojo pronto, aos apelos do “líder”, repetindo inconscientemente seus chavões. Percebi que aos poucos aquelas pessoas que me rodeavam começaram também a se tornar monstros, escamosos répteis com línguas bífidas e figuras híbridas, metade gente e metade animais, babando seus ódios. Aos poucos saí de onde estava sentado, me desvencilhei da horta da multidão ensandecida e, lá fora, encontrei uma pequena rua escura e deserta e onde, após um grito mágico, me tornei no herói necessário: o SUPER SOCIÓLOGO!! Um herói (quase um anti-herói) com poderes mágicos como aqueles dos heróis da empresa Marvel, e que tinha como missão tentar modificar a idiotice e a estupidez humana. Misturava nas suas feições: Marx, Freud, Weber, Gandhi, Martin Luther King, Macunaíma e Angela Davis. Um herói de pele morena, cara rechonchuda, careca, barbas vultuosas, mamas proeminentes, uma grande barriga, membros finos como o de Gandhi, óculos com aros arredondados (como o de John Lenon), um terninho básico, um tênis, um charuto na boca que sorria, uma capa vermelha que o permitia voar como um Aladin ou melhor, como um drone. Era um verdadeiro Frankenstein do bem. Seu olhar era uma mistura de desconfiança e esperança. Então voou sobre a multidão animalizada e começou a soltar seus panfletos mágicos, que ao caírem nas mãos e depois nos olhos da turba, tal qual uma virose epidêmica e altamente contagiosa, e como por encanto, esses animais deixavam de ser hipnotizados instantaneamente, e tornavam-se novamente gente normal e dócil. Aos poucos a turba começou a se desmobilizar e sair do comício, cabisbaixa, sem saber porque estavam ali, como se tivessem saído de um transe. Logo, o “mito”, ao perceber a desmobilização, identificou o culpado: apontou o dedo lá em cima na direção do herói, mas agora poucos da plateia o escutavam. Sobrou ao “mito” usar sua ferramenta preferida: pegou um revólver e mandou bala contra o herói, que se desviou sem problemas, debochando da falta de pontaria do crocodilo. Rapidamente o comício se esvaziou, sobrando um bando de fanáticos transformados agora em demônios verdes e diabos, que seguiam o “líder”. Revoltado por sua derrota, o grande jacaré babou como nunca, numa verdadeira torrente de salivas nojentas e infectas, se contorcendo de dor em verdadeiras crises epiléticas. O herói vitorioso deu um adeuzinho debochado para o jacaré lá embaixo e voou pra longe, prometendo retornar em caso de necessidade.
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