Todo mundo vai morrer um dia.
Esse é o primeiro pensamento que invade minha consciência recém-desperta. A sonolência não me deixa sair da cama assim que toca o despertador. Eu já estava acordada, sigo acordada, mas não quero levantar. Eu estou vivendo um dia de cada vez que mais parece ser uma vida inteira vestindo uma roupa justa demais. Estou exausta, apática. Eu não tenho mais forças para chorar. Fico olhando para a porta do quarto esperando que alguma coisa, uma força, impulsione-me a sair por ela.
Estar consciente da morte deveria ser um lembrete de viver bem, mas acabou se tornando uma bomba-relógio acoplada ao meu peito prestes a explodir.
Uma hora depois, levanto-me da cama e estou irritada com os sons que meus vizinhos deixam escapar. Eles estão invadindo o meu espaço, o meu corpo, a minha mente. Eu não aguento mais.
Aaaaaaaargh.
Bato a porta do quarto com tanta raiva, com muita raiva. Eu só quero gritar, eu quero correr, eu quero ficar sozinha.
Saio pela rua de casa, perambulando por velhos novos caminhos. Alguns dos vizinhos estenderam a bandeira do país em suas janelas. Evoco um grito na garganta que subitamente desisto de soltar. Você não vai querer arrumar confusão com seus vizinhos, vai? Ignorantes.
O céu está parecendo um imenso e límpido quadro azul. Ainda não estamos na primavera, é quase. Mas os pássaros já cantam desritmados, uns sobre os outros, não sei dizer quais os tipos vivem no quintal de casa, na rua de minha mãe, são muitos. A primavera costumava ser a estação do ano de que eu mais gostava. O clichê das flores se abrindo, o aroma perfumando, romances surgindo povoava meu espírito romântico de cenas do Bambi. Meu filme favorito.
Acabo de perceber a morte em meu filme favorito.
Minha mãe disse que sofro de melancolia crônica. Ando pelas ruas imaginando se meus pensamentos são capazes de alcançar todas as pessoas desse mundo. Será que elas também me incluem em suas divagações? Tristeza itinerante. Vacante. A mãe do Bambi não vai mais voltar. Ela morreu e ele ficou sozinho. Não quero ficar sozinha. Dou meia volta e adentro o portão de casa recarregada. Sinto-me quase feliz. O suficiente para segurar as pontas, avançar pela noite e começar tudo de novo. Amanhã.
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