Ela era uma galinha indignada. Era revoltada porque todos daquela casa tratavam a gata e o cachorro com a maior benevolência. Ambos frequentavam veterinários, salões de cortes para os pelos, viviam dentro de casa sob a total proteção de todos. Tinham até nomes pomposos: ‘Sofie’ e ‘Oliver’, enquanto ela nem nome tinha. Quando a chamavam, era por monossílabas: ‘Pi-Pi-Pi-Pi… um deboche! Era criada à míngua no quintal, fizesse sol ou fizesse chuva, abandonada, desprotegida. Por conta disso, era uma presa fácil para um galo tarado, que vivia com ela sob o teto furado do mesmo galinheiro. Ela sempre fugia desse galo e quando ele insistia e a encurralava, ela o bicava com tanta força que ele desistia de suas investidas, com seus rodeios e ciscadas, cheios de más intenções pornográficas. Era ela quem contribuía na alimentação dos moradores daquela casa, botando diariamente seus ovos em troca apenas de dois punhados de milho por dia.
Vivia traumatizada porque presenciou uma prima sua sendo degolada, com sangue espirrando por todo o quintal, e o corpo da pobrezinha saiu desesperado, sem cabeça, até que caiu trêmulo, num fim trágico de quem ainda seria depenada e fervida para servir de alimento a todos, inclusive ao cachorro e a gata, cujos moradores chamavam carinhosamente de “os PETS da casa”. Ela pensava: PETS é uma pinoia!
Por isso essa revolta toda. Sabia que o seu destino era também ser assada, ensopada, fritada ou ser companhia do arroz numa eventual canja… Ah! E também ser uma eterna produtora de ovos, sem os devidos reconhecimentos.
Como vingança, seus ovos nunca foram fecundados, porque ela sempre se recusou a ser possuída por aquele galo estuprador, metido a galã e a cantor, só porque a família o havia trazido do sítio de um cantor sertanejo.
Até que um dia ela resolveu se rebelar de vez e deixou o poleiro para viver no telhado da casa. Dar uma de doida!
A partir de então, passou a colocar seus ovos no telhado. Ela esperava alguém abrir a porta, fazia uma forcinha e pum! Deixava o ovo escorregar e estourar na cabeça de quem estivesse saindo. De lá, ela só descia para bicar seu parco almoço diário. Só que com isso, a família enfurecida, não lhe dava mais milho e deixou de alimentá-la.
Com o tempo, ela ficou tão enfraquecida, que acabou caindo do telhado e quebrando uma asa.
Ficou tão magra e debilitada que já não aguentava mais ciscar para conseguir degustar uma minhoquinha sequer.
Aproveitando-se da sua fragilidade, o galo, que há muito tempo não namorava, subiu sobre o seu combalido corpo e não perdoou: Pimba! Ela deu o último suspiro em forma de có-có-có… Foi a galada fatal.
Querido Medina, que alegria ter sifo eu à ler seu conto. Ri tanto que só fiquei triste depois de findada a leitura, tamanha riqueza .
Parabéns!