yoda mochila

É tudo mais ou menos

“O lugar é bastante amplo e confortável, praticamente uma quitinete. Bem ventilado com sistema de ar condicionado, poderia muito bem servir de moradia, tipo quarto e sala, não fossem as condições daquele confinamento involuntário. Aquilo é uma espécie de bunker. Há apenas uma janelinha por onde entra ar e luz do dia. Aquele buraco fica bem no alto da parede oposta a porta, coisa de uns três metros do chão, parecendo ser bem difícil de escalar; e eles bem que tentaram galga-la na esperança de observar o que se passa do lado de fora pra entenderem o que, de fato, teria acontecido, como chegaram ali… Os porquês! Somente quando se organizaram, dois deles fizeram uma espécie de base de apoio e a mais franzina, a mulher alcachofra, conseguira subir e botar os olhos esbugalhados pro lado de lá. Então, fora avistando a rua, enquanto seguia narrando aos demais sobre o que estava vendo. A princípio, nada! Não vira nada do lado de fora, só uma neblina azulada, bem densa e uma luz fosca da tela de uma televisão ao fundo. Alguém parecia assistir algum filme. Os cinco se entreolham, a dançarina do ventre; o frade franciscano; a mulher alcachofra; o ventríloquo decadente e seu boneco caricato de nazista, Hitler ou, talvez, de um anão fanfarrão se passando por ele…”. Corte. Sendo bruscamente interrompido o anúncio do novo filme de terror a ser estreado, a telona retoma a cena do filme da vez. Talvez fosse aquela a décima vez que ele assistia aquele mesmo episódio de Star Wars. Ele é doido no Yoda. Possuindo, há décadas, cinco bonecos: um que fica na cabeceira de sua cama; um na cozinha e outro, no banheiro; tem um que ele gosta de levar consigo na mochila por onde anda, é aquele bebê Yoda que ele apertava na mão direita naquele momento; e o último, é exatamente aquele que fica grudado no painel do automóvel, sempre a balançar a enorme cabeça em pêndulo como a refletir que tudo no mundo pode ser “mais ou menos” e que isso deva servir pra quase tudo na vida. 

TOC-TOC-TOC… costumava dedilhar em sua fronte toda vez que sentia algo vir lhe incomodar. Já faz um tempinho, mais ou menos dez anos, desde quando recebera o diagnóstico do seu transtorno. Era assim que ele vinha controlando a sua mente sempre que lhe prenunciava a chegada de algum gatilho. Sim, ele sofre de TOC e, após várias consultas, medicamentos e terapias funcionais, vem administrando a crise vindoura. Aquilo lhe socorre como uma espécie de antídoto. Porém, se há algo que ainda o tortura fortemente, são os efeitos traumáticos dos bullyings sofridos na escola, principalmente durante a quinta série.

Mesmo com todas as inconveniências cognitivas, veio conseguindo sucesso em suas investidas sociais ainda que de forma limitada e cautelosa, a ponto de lhe ser recomendado um próximo passo terapêutico: cuidar de um animal de estimação, um pet. A simples ideia de depender de alguma coisa dependendo dele já lhe vinha aterrorizando e, sem questionar muito, recebera a recomendação de visitar um lugar especial, nada mais nada menos do que a famosa PETILÂNDIA – O MUNDO ANIMAL. Foi lá… 

Então, lá chegando, fora adentrando um tanto reticente e macambúzio; desta feita trazia consigo todos os bonecos Yoda juntos e misturados, a estimulá-lo e fortalecê-lo. E, de repente, UAU, tudo ali lhe pareceu expandir e a sua mente se libertar das amarras neurológicas… foi um puufff, um booomm! Pronto! Aquele stand especial com as múltiplas prateleiras mostrando inúmeros acessórios estilizados do universo Star Wars; dos bonecos aos bichinhos reais, com roupinhas, capas, gorros, carapuças… enfim, ali estava o seu mundinho perfeito. E quando isso acontece, é como se tudo parecesse se encaixar!

E foi assim que ele passou a ser visto por lá, transitando pelo espaço a observar admirado e grato os bichos e apetrechos expostos, dando suas próprias opiniões e recomendações. Por sua perseverança e adoração, veio atraindo os demais clientes pra aquela seção, se tornando, em bem pouco tempo e por força das circunstâncias, mesmo sem o prever ou querer, num excelente vendedor, talvez até chegasse a ser o melhor, não fosse… 

E foi assim que fui contratado. De vendedor padrão à gerente e… Hoje, tenho um certo orgulho em me declarar o único dono do negócio. Permaneço horas e horas por dia me dedicando ao lugar, desde quando abrimos o espaço até o fechamento. E nem necessito mais me socorrer dos bonequinhos, porém, continuam lá nos seus devidos lugares; o bebê Yoda ainda anda aqui comigo, ó! E aquele cabeçudo filósofo está lá no painel do carro… 

Ao chegar em casa, ligo a teve e assisto a uma reportagem sobre o desaparecimento de cinco pessoas que, segundo as investigações, tinham em comum terem sido alunos na mesma escola… Desligo o acesso do canal aberto e conecto o sistema de câmeras daquele cômodo secreto, passando a assistir o meu programa preferido. E é óbvio não se tratar mais da saga Star Wars, pois é coisa mais visceral, diria ser uma espécie de Big Brother realista, com os meus convidados especiais, os antigos colegas de turma; algo meio comédia, meio terror, comprovando aquela tese Yoda de que, na vida, tudo é mesmo mais ou menos!  Só não sei bem ainda o que fazer com eles!