O corpo estirado no chão de linóleo vermelho respirava ofegante. As cortinas dançavam com a baforada quente que entrava pela janela e deixava aquele quarto em chamas. “Um inferninho” pensou irônica. Ela não tinha muito mais tempo de descanso, na próxima meia hora deitar-se-ia aberta e convidativa, feito um botão de flor. Arrancar-lhe-iam as roupas com movimentos ávidos, tocar-lhe-iam a pele com força, deixando marcas permanentes em seu corpo e espírito há muito cansados.
A cada meia hora perdia algumas pétalas de sua rosa aveludada e sabe-se lá de onde tirava forças para seguir auxiliando aquelas pobres almas errantes que a procuravam esperando encontrar um templo sagrado ou, talvez, o vaso sanitário onde acreditavam estar despejando suas imundices, exorcizando os desejos corrompidos.
Maria Auxiliadora não era o seu nome de batismo, mas era como seus clientes a chamavam. Naquele pequeno quarto era capaz de aliviar os tormentos de quem a procurava, de dar mais amor do que jamais recebera na vida, de sussurrar palavras doces e gozar no ouvido de quem clamava por um milagre. Naquele pequeno santuário era capaz de curar feridas, ainda que por um curto espaço de tempo. E quando o peso da mão não passasse de um formigamento no seu corpo, e quando a língua não mais a invadisse e nem a convidasse a explorar novas fronteiras, e quando o suor começasse a secar, o corpo começasse a tremer e o silêncio martelasse o peito, Maria Auxiliadora levantar-se-ia frágil e caminharia vacilante para o banheiro, olhar-se-ia no espelho e por alguns instantes conseguiria contemplar a mulher que sempre habitou seu corpo másculo. Uma mulher transfigurada em gestos e olhares, que se doava inteiramente para aquietar a perturbação alheia e que só era livre para ser ela mesma sob o jugo de almas-dementadoras. E ela questionar-se-ia:
– Que liberdade é essa se continuo cativa?
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