Durante minha infância em São Luís do Maranhão, eu morava em uma casa que em frente havia uma pequena quitanda que pertencia aos pais de uma menina preta chamada Denise. A mãe era branca e o pai de origem africana. Quando criança, nunca entendi toda esta misturada porque nunca me foi explicado. Meu avô materno preto, minha mãe branca e eu, loirinha. Aprendi sobre a escravidão na escola mas, sobre a minha família nunca me foi nada falado.
Quando eu e minha irmã queríamos chamá-la para brincar, eu perguntava para minha mãe: “Podemos chamar a ‘pretinha’?”. Eu só chegava ao portão da minha casa, que era feito de grades de ferro. Dava para ver a rua toda. Eu esperava a Denise olhar para a minha direção e dava o sinal de OK. Naquela época era muito comum as crianças brincarem na casa uma das outras. Tínhamos uma árvore em nosso quintal, com os galhos bem fortes, entrelaçados, até eu sentava entre eles e brincava de montar a cavalo. Outra brincadeira que gostávamos muito era de caminhar em pé em cima do muro. Nos sentíamos verdadeiras equilibristas de circo. Eu, minha irmã e a Pretinha enfileiradas correndo o risco de levar um baita tombo.
Pretinha era uma maneira carinhosa de chamar nossa amiga. Nunca tínhamos escutado falar em racismo ou preconceito. Éramos crianças felizes, somente isso. Mas a nossa brincadeira favorita mesmo era dublar músicas. O cabo do chimarrão do meu pai virava microfone. Eu, loirinha de cabelos lisos, mesmo gordinha, sempre era a Xuxa e ninguém tomava o meu posto. Minha irmã com cabelos longos, ondulados e castanhos, escolhia a Patrícia Marx, cantora do momento na época.
Denise perguntou quem ela poderia ser. Eu querendo encontrar uma cantora que ela se identificasse, comecei a remexer os discos de vinil do meu pai, sem ver estilo musical. Eu só queria achar na capa do disco uma cantora parecida com a Denise para ela ficar satisfeita e brincar com a gente no nosso humilde show. E SIM! EU ENCONTREI! A cantora se chamava Leci Brandão, ela era preta e tinha o cabelo curtinho igual ao da Denise. Quando mostrei pra ela, ela ficou muito feliz e disse: “Sim, eu quero ser essa daqui!.” O desafio foi ela aprender a cantar as músicas da Leci e, juntas, aprendemos. Foi aí que fomos da Xuxa ao samba, e quando na nossa brincadeira rolava nosso espetáculo, estávamos lá cantando um trecho de um dos sucessos da cantora na época: “PAPAI VADIOU, MAMÃE GOSTOU! E POR ISSO AQUI ESTOU.”
Gostei muito desse texto.🥰👏🏼👏🏼👏🏼