Salvador já acordou daquele jeito, quente que só! Eu aqui, fazendo corrida uma atrás da outra debaixo desse sol da moléstia, porque ser Uber foi o que me sobrou nessa vida. Só que o babado que eu vou contar começou quando peguei uma corrida lá no centro. Dei meu “bom dia, meu rei” pra passageira, porque é assim que eu cumprimento e eles gostam. Até aí tudo normal. Quando no rádio do carro começa a tocar uns atabaques. Olha, eu conheço esse som. Do nada, mas do nada mesmo, tomo um choque do volante e ouço uma voz:
– João, eu tenho um recado pra você.
Oxê, que me arrepiei todinho. Tem anos que não piso num terreiro, mas se tem coisa que eu reconheço é uma entidade chegando:
– Pois se manifeste que seu filho tá aqui. Quem tá aí?
– É Exu trazendo um recado do deus da justiça, dos raios, do trovão e do fogo.
– Laroiê, Exu! É recado de Xangô!? Tô afastado, mas minha mãe e minha vó estão indo no meu lugar.
– E desde quando religião se frequenta por procuração?
– Pois saia do meu carro que a cliente vai cancelar a corrida e dizer pro Uber que eu sou doido.
– Pode deixar que ela não ouve a nossa conversa. Só saio daqui quando você voltar pro terreiro.
E o Exu não arredou pé mesmo. Falou que o carro era o escritório dele e que agora ele ia fazer justiça dali mesmo com os passageiros. Quem tava no carro era a Dona Marlene, que carregava mais problema que prova de Matemática. Exu disse logo:
– Essa mulher sofre por coisa que não é dela.
E Dona Marlene, que já tinha reclamado da filha, do marido morto e da vizinha encrenqueira, foi logo mudando de ideia assim que Exu fez piscar a luz do carro e se aboletou no lugar:
– Sabe, João, vou ligar pra minha filha hoje. Ao invés de reclamar, eu vou perguntar como ela tá.
Esse Exu é porreta mesmo. Ela já saiu do carro com outra cara. Nem deu tempo de respirar e peguei outra corrida. Esse era o Ricardo, um cara de terno que tava no celular reclamando do chefe. Dizia que ralava, ralava e não era reconhecido. Pois tava eu só acompanhando a conversa até que “catapluft”, o enviado de Xangô mandou seus raios e a conversa já mudou de rumo:
– O que? Meu chefe me pediu desculpas e disse que vai me promover?
Esse até deixou uma caixinha de tão feliz que tava. E Exu insistindo pra eu voltar e eu falando “peraí, peraí, só mais uma corridinha”. Mas Exu não quis balinha nem água e resolveu ficar de carona o dia todo do meu lado. Quem logo entrou no carro também foi Camila, uma menina nova com os olhos inchados de tanto chorar. Ela não falou nada, então dessa vez a intervenção divina foi por minha conta:
– O que lhe aconteceu, se é que eu posso lhe perguntar?
– Meu namorado terminou comigo. Disse que eu sou complicada demais.
Exu soprou no meu ouvido:
– Essa aí precisa lembrar da luz que tem. Deixa que a gente resolve.
Eita que deu pra ver pelo retrovisor quando a bichinha do nada respirou fundo, levantou a cabeça e parou de chorar. A energia mudou. Assim que desceu do carro já falou:
– Sabe de uma coisa? Eu mereço coisa melhor!
– Merece sim, moça – Já disse eu balançando os braços e comemorando mais uma na conta da entidade. Tava tão feliz que nem vi que a corrida era no dinheiro e que a moça saiu sem pagar.
– Ô, Exu, assim você me quebra a firma!
– Agora é hora de resolver o seu lado.
– Só mais uma corridinha que o preço tá dinâmico.
– Não senhor! Toca pro terreiro que você sabe muito bem onde é.
No fundo eu sabia que aquele era o lugar que eu nunca devia ter me afastado. Assim como minha mãe, a mãe dela e provavelmente a mãe da mãe dela, eu nunca devia ter tirado o meu pezinho lá da África.
– Exu, pode me dando cinco estrelinhas que essa corrida foi massa. Toca pro terreiro!
Muito bom!!! Com a leitura do Marcio ficou ainda mais divertido.
Muito bom !!!
Sensacional, rindo muito até agora kkkk