Laudelino Freitas estava realizando um sonho. E não era qualquer um. Palmas e todos os olhares voltados para ele ao receber o Prêmio Jabuti. Pensou em se beliscar mas desistiu. Iriam achar que ele era doido, sei lá.
Na plateia, sua esposa e o filho Erick contemplavam orgulhosos o momento especial dele. Sempre quis ser pai. Talvez o fato de não ter conhecido o seu aumentou a vontade de experimentar a paternidade. Estar junto, soltar pipa, levar ao Maracanã pra assistir o jogo ou simplesmente fazer um cafuné. Quando o viu pela primeira vez na maternidade, não teve dúvida: o amor materializou-se na sua frente, um pequeno ser nos seus braços. Fragilidade e força não duelavam, coexistiam.
Após o término da cerimônia, os três retornaram para casa. A esposa foi logo para quarto. Tinha uma reunião no dia seguinte, bem cedo. Laudelino que sempre teve dificuldade para dormir, preparou um chá de camomila e foi para o seu refúgio: a biblioteca. O filho foi se despedir e dar boa noite. Encontrou o pai observando a noite de lua cheia pela janela. Sorriram em silêncio, cúmplices no olhar. As palavras não foram ditas. Um abraço foi o suficiente.
Já sozinho, Laudelino abriu última gaveta da escrivaninha. Lá estava um dos seus segredos: a coleção de livros roubados da Biblioteca desde a adolescência. Não bastava apenas ler. Precisava tê-los sob sua guarda. Sentou-se no sofá. Era uma ironia um escritor premiado colecionando livros furtados de uma não, várias bibliotecas. Sentia que era um homem realizado e uma sensação de paz o envolveu. Laudelino foi encontrado no dia seguinte no sofá. Morreu dormindo. O frágil coração não aguentou tanta emoção.
Pouco tempo depois, a esposa de Laudelino resolveu mexer na intocável escrivaninha. Com a chave, abriu a primeira gaveta. Documentos, fotos da infância e adolescência do marido. Cheio de espinhas. Então, resolveu abrir a segunda gaveta. Encontrou se não todas, quase todas as cartinhas feitas pelo filho pelo dia dos pais ou pelo aniversário de Laudelino. Tinha até o diploma do Melhor pai do mundo quando Erick estava no primeiro ano. Embaixo das cartinhas, tinha um envelope pardo, amarelado pelo tempo. Ela abriu e começou a ler. Os olhos arregalados e surpresos com o resultado do exame feito assim que se casaram. Laudelino era estéril e não podia ter filhos. Como se tentasse exorcizar um fantasma do passado, falou sozinha:
-Então, ele sempre soube. E desistiu de mexer na escrivaninha.
E eu pensando que ela iria descobrir o segredo dos livros roubados!
O desejo da paternidade suplantou a dor da traição da esposa.
Ah, o amor incondicional! Tão belo e tão necessário.