A scene from the 2004 zombie comedy “Shaun of the Dead.” Rogue Pictures

Mensch Über Alles (Humano Acima de Tudo)

Dezembro. A mutação de um vírus foi noticiada na África, mas passou desapercebida da grande imprensa. Enquanto um problema permanece na África o restante do mundo não se importa muito com ele. Eu vivia minha vida de jornalista em um veículo decadente no Rio. Um jornal que já teve grande circulação e hoje era desculpa para vender anúncios. Selos para trocar por panelas.

Em fevereiro do ano seguinte veio a confirmação: aquele vírus levava a uma doença que causa morte. Minutos depois à morte, a pessoa ressurge como um zumbi, assim como nos filmes de George Romero. Parece fake News, mas era uma soma de pouco estudo, algumas barreiras sanitárias mal feitas e o vírus surge no noticiário da Ásia. “Vírus africano ameaça a China. Três casos isolados estão sob análise.” Crises diplomáticas e contrainformação. Até que fossem desfeitos os mal-entendidos, a peste já dominava a Ásia.

Terror no Oriente! Vírus até então desconhecido ameaça a Europa.” Não demorou para que fronteiras fossem fechadas, voos suspensos e o caos diplomático fosse instalado. Ainda parecia algo isolado, localizado, bem longe da gente. Imagens chegavam pelas agências internacionais de hordas de zumbis atacando pequenas cidades. A comunicação já era falha e parte da população era descrente do que via. Parecia filme B ou alguma produção de Bollywood. Se politizava os acontecimentos e a barca seguia.

Abril já começou com alguns casos na Oceania e leste europeu. “A praga parece real! Peste ameaça a Europa”. Agora a ficha parecia cair. Milionários e políticos brasileiros viajavam para os Estados Unidos. Várias instituições não funcionavam na terra brasilis, pois quem mandava já tinha se mandado. Quem chamava de “doença passageira” já tinha que admitir e estocar comida. Uma a uma, as redes de TV internacionais iam parando de transmitir. Era um milagre não ter chegado ainda no Brasil.

América tomada por praga comunista”. Juro que era a notícia que chegou por aqui. Tanto a costa leste quanto a oeste já apresentavam casos e nem os mais preparados para um apocalipse nuclear poderiam prever uma praga que já chegava desacreditada. Quando se davam conta já não tinha mais vida social, meios de comunicação e circulação básica. Paravam de circular os jornais, a TV saia do ar e por último o rádio. A nação que tinha tremido com Guerra dos Mundos de Orson Welles não estava acreditando no que via.

“Humanidade de joelhos! Europa cai para pandemia”. As últimas notícias que vieram de fora deram conta que o último refúgio da humanidade, o berço da civilização ocidental também não estava preparado. Nem o mais criativo dos autores ou cineastas poderia criar aquelas cenas. E as narrativas.

Aqui na nossa aldeia o primeiro surto nem foi o da doença. Foi de pânico. Saques, agressões e o crime organizado tentava organizar o caos. Eu simplesmente me tranquei em casa. Tinha estocado comida e não pretendia sair tão cedo. Um dia faltava luz, no outro a água parecia estranha. Acordei um dia como se aquilo fosse um pesadelo. Resolvi fingir que nada tinha acontecido e fui a padaria. Cento e cinquenta metros de caminhada e ninguém na rua. Tempo fechado e vento. No meu último dia, não tinha mais notícia pra sair. Só um pedaço velho de jornal que agarrou no meu sapato onde se lia: “A dor da gente não sai no jornal.”