Serolod é minha melhor amiga. Ela me pediu pra contar esta história que a deixa muito mal. Vocês vão entender porque ela mesma se recusa a falar sobre seus mais íntimos segredos. Não se precipite. Seu perfil psicológico é de vítima, com episódios de automutilação. A inveja é seu sobrenome. Segundo ela, a dor da gente sai no jornal. E vira espetáculo. O jornal, se torcido, pinga sangue, mas a hemorragia no Brasil já virou lugar tão comum que… Vida que segue. Ninguém mais se envergonha com essas notícias que vendem jornal. Afinal, quem ainda compra jornal? Se a dor escandalizar, como a morte por Covid do Paulo Gustavo, a comoção faz acreditar que não há comportamento de risco. Ninguém se comoveu com os mais de quatrocentos mil mortos. Mas, vai entender. A essa altura, eu acho que ela me contará uma crônica, mas vamos aguardar. Minha mãe diz que eu sou muito ansiosa. Serolod enrola demais pra contar como e por que a dor da gente sai no Jornal.
Nas redes sociais, a dor da gente viraliza. Viralizam o ódio, o despeito, o vampirismo, especialistas em paráfrases, a pós-verdade, pós-mentira, fake News… E também o maldito vírus transformando-se em novas cepas. Eita bicho-vírus mais inteligente. Igual a ele, somente a criatividade dos escritores do aleatórios. A cada mês, eles se metamorfoseiam criando novas cepas da criatividade. Serolod me pede pra eu não fugir ao assunto, pois ela já não consegue mais fugir ao tema e nem chorar. Vai ser difícil construir esse enredo com tanta enrolação aqui. Lembra que eu já falei que ela é invejosa de carteirinha? Ela inveja a felicidade no face, as fotos na Riviera, em Veneza… Inveja o casamento de contos de fada no Instagram. Ela, para seu desespero, sempre foi solitária. Inveja o gozo da prima. Serolod nem consegue se masturbar; Cobiça o salário da Fátima Bernardes, mas não tem disposição para trabalhar. A ambição chega às raias do ódio. Ela está enlouquecida. Nesta quarentena, a inveja só não é maior do que sua dor indizível. O sorriso alheio, fácil e cheio de dentes a incomoda demais. Enquanto isso, ela cola o caquinho dos dentes com super bonder misturada com corega. Sente ódio mortal do sucesso da amiga que tem mais de 15 k de seguidores, sem criar nada. Sabe o que é isso? Ter quase 20.000 seguidores, filhos, sem ter gerado nada? Afinal, os seguidores seguem o quê? Mas vamos ao ponto nevrálgico.
Serolod sente dores lancinantes, desde do dia em que a ginecologista fez sua histerectomia. Ela acordou, ainda tonta, com os solavancos da médica. A anestesia já perdia o efeito. Ela viu aquela bola enorme nas mãos da médica. Era o cancro da alma devorando seu útero. Serolod nem havia processado o vazio em seu ventre, quando recebeu alta. Saiu lentamente do elevador, como se tivesse saído de um parto normal. Recebeu parabéns do ascensorista. Mas, para o constrangimento de ambos, não havia bebê. Eu testemunhei. Sem filhos, ela jamais os terá. Então diz aí: a dor da gente sai nos jornal? A gente é muita gente. A nossa dor mais profunda e verdadeira é intangível. Serolod, minha amiga imaginária, anagrama de mim, sente-se aliviada. Eu consegui contar sua história criando artimanhas para protegê-la. Mas ela sempre teve muita inveja de mim, do meu talento e dos meus filhos. Eu me chamo Dolores.
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