Ela dirige por uma estrada sinuosa e espremida entre a mata e o mar. O som do carro toca um pen drive que se repete todos os dias. No banco do carona está a urna. Ao final da subida há uma curva à direita e um descampado, onde se descortina um penhasco para o mar. Ela estaciona e vai até a beira do abismo com a urna nas mãos. Quer descer até a praia, mas acha perigoso.
Repara na estrada, que picota a montanha, os carrinhos que somem e reaparecem sob as árvores, aonde vão? A um dia de praia, mergulho nesse mar de esmeraldas, sanduiche natural com queijo e cebola, balde, areia e pá, pai com as tralhas, mãe com bebê. O bebê! Qual será o nome? Otávio, Léo, Felício? Bendito é este bebê que tem nome, tem dia de praia, sanduiche natural com cebola. O bebê dela não teve nome, tampouco tempo.
Seis meses de gestação, quem é que morre com seis meses? Que animal morre com seis meses? As moscas falecem com dois dias, as tartarugas com duzentos anos, mas seis meses não tem nada a ver com a vida. É um semestre universitário ou uma fase da EJA.
Como seu bebê seria se tivesse existido? Cabelos, olhos, nariz… seria alto? Sabe-se lá o que ele seria. Esta mãe sabe apenas o que ele é: alguns gramas de pó dentro de uma urna. Caixão de bebê é coisa muito triste, foi melhor jogar as cinzas num penhasco da estrada.
Por que finalmente se desfez das cinzas do feto morto? Talvez porque tenha acabado de sair de uma clínica com um exame de gravidez positivo em mãos. Seu primeiro pensamento foi tirar. Só havia lugar para um bebê: aquele que morreu. O seu filho seria sempre o filho falecido, não este, que lhe parece um intruso que veio surrupiar um lugar já ocupado. Um lugar ocupado por alguém que morreu sem nascer. Foi aí que concluiu: o lugar não era de um bebê morto, mas de um bebê que não nascera. Se aquele não nasceu, nenhum outro nascerá, ela pensava em seu íntimo.
E como ela seria a mãe que deseja ser, se não advir um filho com carne, osso e ouvidos? Mãe é essa que chama e o bebê atende pelo timbre. O feto morto ela chegou a chamar, mas ele não respondeu. Ela achou que fosse ficar louca. Foi aí que ela decidiu fazer o parto do filho não nascido.
Jogou as cinzas no mar. Desceu o penhasco, mesmo perigoso, e mergulhou. Misturada às cinzas de sua criança, ela poderá pari-lo, parir seu filho enquanto boia, dando-lhe finalmente um nome – Otávio, seja bem-vindo. Otavio, adeus. Eu te deixo morrer, Otávio, meu filho amado, mas não te deixo ser esquecido, porque quando o seu irmão, meu segundo filho, perguntar de você, vou dize-lo: o seu irmão Otávio viveu por seis meses, morreu e agora para ele todos os dias são dias de praia.
Nâo sei se li direito seu texto.no teatro, porque enquanto lia fui senti doa dor.dessa mãe que nâo amamentou e nem ninou seu filho que morreu sem ter vivido. Emocionante