Celina escuta o estrondo da porta e se encolhe na cama… Todas as noites vinham sendo assim. Ela já não sabia o que fazer.
Só cinco anos de casada… E o casamento não existia mais.
Ela olha a filha, deitada ao seu lado na cama. Julia! Não gostava deste nome, mas Anselmo insistiu tanto… Mais que isso, ela dá um sorriso triste lembrando… Ele brigou e a obrigou a aceitar aquele nome na certidão de nascimento de sua filha. É verdade que ele fez uma média (remorso, talvez) colocando Cristina, o nome de sua avó, como segundo nome da menina.
Julia, aos dois meses de idade, dormia tranquila. Ela pensa: “Bem que podia ser um menino, mas nem nisso tiveram sorte!”
Talvez fosse por isso que Celina aceitava tanto desmando de Anselmo.
De alguma forma se sentia em falta com ele. Foi difícil aceitar que era estéril! Que não poderia gerar os filhos dele, mas… Pior mesmo foi ver a decepção estampada no semblante do homem amado.
Em nome desse amor, ela engoliu o orgulho, digeriu a autoestima e aceitou pagar a uma estranha, alguém fértil, para gerar sua filha; filha que não pôde sentir crescer em seu ventre… Que não poderá amamentar em seus seios… Sequer pôde escolher o nome.
E desde que Julia nasceu, Anselmo vem comemorando; chegando bêbado de madrugada e dormindo no sofá. Não entra no quarto para vê-la… Dar “boa noite”! Ou mesmo para ver a filha que tanto lhe custara.
Celina levanta, precisa ir ao banheiro… Passa pelo sofá… Anselmo dorme de boca aberta! O celular sobre a mesa toca, ela não resiste e estica o olho na tela do aparelho… O nome Julia aparece!… Ela fica inquieta. A curiosidade aumenta… Ela segue para o banheiro… A imagem do nome da filha não sai da cabeça… Ela volta à sala… Uma mensagem enviada por Julia acaba de chegar ao celular. Celina não pensa duas vezes! E ela sabia a senha!… Na euforia da paternidade, ele trocara a senha do aparelho pela a data de nascimento da filha.
A voz melosa do outro lado linha dizia:
– Oi, amor! Deixe te perguntar, o nome da bebê é só Julia? Ou é Julia Cristina como o meu? Se for só Julia, a homenagem não está completa, viu? Não vai ganhar a sua recompensa!
Uma “gargalhadinha” maliciosa encerra a mensagem.
O sangue ferve dentro daquela mulher. Daquela mulher que abrira mão de tudo… Tudo que o entendia… Que conhecia por dignidade; por amor próprio… Por aquele homem.
Ela estava devastada!… Não tinha mais alma!…
Celina abre a porta principal da casa, caminha até a garagem, onde fica o galão com gasolina… Ela espalha o líquido por toda a casa… Da sala até a cozinha!… Risca um fosforo e sai porta afora, vestindo camisola ao meio da noite.
Abre o portão e o coração dói!… Inexplicavelmente ela ouve o choro da filha, Julia… Que parece chamar “mamãe!”… Incrível!… Sim! Ela ouviu a sua filha!… Só sua! Sua filha chamar! A maternidade se materializa, então!… Celina adentra o fogo alto… As chamas já tomaram a sala e avançavam pelo quarto, onde a pequena Julia a aguardava.
Quão uma leoa, ela enfrenta as chamas e resgata a sua filha!… E, pela primeira vez, ela se sente mãe!
Mãe, forjada pelo fogo que a redimiu de seus pecados!
Deixe uma resposta