“Homem morre em posto de saúde do centro do Rio na última sexta-feira (13). A causa da morte permanece desconhecida.
Após dar entrada no posto de Assistência Médica 13 de Maio, sozinho e apresentando apenas sintomas leves de gripe, o homem de 55 anos, morador da providência, apresentou sinais de asfixia uma hora depois de receber atendimento, ainda nas dependências do posto médico.”
O jornal deixado com atraso por baixo da porta do pequeno apartamento encontrou o homem já de saída para o trabalho. Aborrecido por ter tomado o café da manhã sem realizar sua leitura habitual, direcionou ao periódico alguns poucos resmungos, deixando-o em cima da mesa, observando a manchete e pensando consigo: Agora, que as notícias aguardem!
Ele era metódico. Em dezesseis anos de serviços prestados à empresa em que trabalhava como administrador, nunca se atrasou uma vez sequer. Lembrou-se da juventude, tempo em que estagiou em um pequeno jornal da região. Chegou a ter algumas crônicas publicadas, entregues sempre antes do prazo. Mesmo assim, a entrega do jornal atrasava sempre, pois a reduzida equipe fazia um grande esforço para dar conta de todo o trabalho, que não era pouco.
A partir de então, desenvolveu um estranho e delicioso vício pelas notícias de jornal, principalmente as que traziam como fato principal a morte de alguém. Tanto que, tornou-se colecionador de todas elas. Um hobby nefasto e sedutor, principalmente depois de ter se afastado das atividades ligadas ao jornal. Era uma maneira agradavelmente dolorida de manter-se presente nas entrelinhas tão prazerosas do sofrimento e da palavra.
Comprava todos os dias, religiosamente, um exemplar de cada um dos jornais da região. As notícias que expunham a morte de algum morador eram recortadas e guardadas em uma caixa. Havia os acidentes de trânsito, exatamente como aquele que vitimou seu primo de dezoito anos. Havia as doenças incuráveis, as mesmas que embalaram os últimos momentos de suas duas tias e de sua querida mãe, acompanhando-as até lugar melhor porque elas hoje não suportariam isso aqui não. Sem contar as vidas tiradas à força nos assaltos, como ocorrera com seu sobrinho e mais dois grandes amigos.
Ele colecionava dores e guardava lágrimas. Assim, mantinha essas pessoas, as conhecidas e as anônimas, vivas e próximas, tanto quanto era possível. Já no trabalho, lembrou-se da manchete do principal jornal do dia, vista somente de relance. Estranho. Uma gripe? Seria caso de morte? E os sinais de asfixia? Teria o desconhecido recebido maus tratos e sido assassinado no local em que recebeu o atendimento? O jornal não esclarecia. Ao menos foi o que percebeu em sua quase leitura dinâmica e curiosa.
Além dessa dúvida, outro pormenor corroía-lhe: Nenhum de seus conhecidos ou parentes havia morrido assim, sem causa, ou teria sido assassinado sem motivo. Não que ele se lembrasse. Naquele dia, trabalhou como um relógio, numa correção e pontualidade britânicas, frias, monótonas e doloridas. Chegou em casa pouco após às dezoito horas, como sempre.
Guardou prontamente os seus pertences e buscou na geladeira um copo de água clara, gelada e indiscutivelmente necessária para a digestão de fatos difíceis. Sentou-se no sofá com o jornal nas mãos. Precisou apenas de um instante de sua atenção britânica e seu olhar vívido e sensível às tragédias. Reconheceu o sobrenome do morto: Dias. Era um primo distante e aparentemente sem nenhum problema respiratório. Dias! Como aqueles que passavam rápido como vento frio entre a janela e a tela do computador no local de trabalho e que arejava o arquivo humano em que ele havia se tornado. A notícia ganhou lugar na sombria e pulsante caixinha cinza. Nesse momento, ele sentiu falta de ar como se uma mão contundente e única o sufocasse. Pensou durante horas no parente quase desconhecido. Depois, dormiu tranquilo, sendo acordado no dia seguinte pela lágrima solitária que raiava junto ao sol e pela campainha que anunciava a esperada entrega dos jornais do dia e de novas dores. Todas indispensáveis. Todas suas. E pela primeira vez atrasou-se para o trabalho, procurando guardar agora, somente o pouco ar voluntarioso e arredio que ainda que lhe restava nos pulmões.
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