Sentia o silêncio eterno. A calma, a paz, a escuridão do sono, a inércia da eternidade… Foi então que naquele universo de tranquilidade, senti sacudidas e pressões por todo o corpo. Um incômodo me espremia com regularidade. Minha cabeça foi espremida e projetada gradualmente por um túnel, onde lá no fim,vi uma pequena luz. Uma compressão ocorreu em torno do crânio, e o corpo foi ejetado, e meus olhos foram inundados pela luz, e toda aquela paz que tinha até então se acabou, pois senti o peso da gravidade. Soltei um GRITO PRIMORDIAL. Inútil, pois já tinha nascido. Acolhido, e aquecido repousei em posição fetal. Mas logo depois, uma estranha dor tipo cólica, se apossou de minha barriga. Era a FOME!!. Outro GRITO, que se associou à um esperneamento, e que logo após foi saciado pelo leite quente vindo do seio materno. Aprendi uma lição: o GRITO nos alivia do sofrimento. Mais adiante, num passeio no parque, um menino tirou o pirulito de minha boca. Dei outro GRITO de alerta, e entendi algum tempo depois, que minha mãe, me restituiu, outro pirulito, aliviando meu sofrimento. Mais maduro, ao pedalar de bicicleta, desequilibrei-me numa curva, e caí,me machucando. Outro GRITO ecoou, e me senti aliviado novamente com o apoio, agora de meu pai. Ele soprou a ferida, que atenuou meu sofrimento,mais de origem emocional do que físico. A adolescência e suas provações… No vestibular, chorei e GRITEI quando não fui aprovado na primeira vez, mas na segunda tentativa, um ano depois, GRITEI, por ter obtido êxito. Os anos se passaram, e durante uma visita numa exposição do pintor Eduard Munch, seu quadro “O GRITO”, me causou emoção, e ali passei a entender o que significava o grito. Na universidade, numa passeata, GRITEI pelas “DIRETAS JÁ”, e pela democracia. Poucos anos depois, ao nascer minha filha, mais um GRITO de emoção e de contentamento. Durante a infância de minha filha, assisti com ela ao seriado infantil “CASTELO RÁ-TIM-BUM”, onde numa das músicas, chamada ‘POR QUE SIM NÃO É RESPOSTA”, a composição, discorre sobre o GRITO, e seus múltiplos significados. Os anos passaram rapidamente, e muito mais do que eu imaginava. Agora, já velho, senti dores abdominais, e era um câncer. Fiz o tratamento cirúrgico, quimioterapia, e radioterapia, mas infelizmente sem sucesso. No fim,com o avanço da doença, e já sem forças,ao invés das últimas palavras, reuni a energia que me restava, e soltei um GRITO FINAL, suficientemente forte para ser ouvido. Foi o que me restou como legado final dessa história. Descobri então, que o GRITO é um HÍFEN, entre duas eternidades.
Grito eterno
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